Desde miúda que admiro os dançarinos e aquilo que eles fazem: a leveza dos seus movimentos, a sua coordenação e a fluidez com que se movem ao som da música.
Nos momentos da minha vida em que tive a oportunidade de fazer aquilo que sempre admirei (dançar) procurei sentir aquela leveza, mas a verdade é que não consegui.
Claro que em grande parte isso se deveu à minha falta de prática, mas senti que uma parte de mim não me permitia entregar pura e completamente à atividade que estava a desempenhar.
Transportando isso para outras áreas no meu dia-a-dia, vejo que essa falta de entrega se aplica em vários momentos.
Não se trata de
fazer mal as coisas ou de não saber desempenhar determinadas tarefas; trata-se
de me sentir a fazer parte com o que estou a fazer e sentir que a intuição
comanda a ação e a mente fica parada sem qualquer julgamento.
A vida uma dança e tenho que aprender a viver consoante a sua melodia, com a alegria de quem se entrega a um passo de dança e permite que o corpo encontre o seu ritmo.
São cada vez mais
frequentes os momentos em que sinto essa entrega e faço as coisas como se nada
mais existisse no mundo.
Porque na verdade a única coisa que eu tenho garantida é a efemeridade da vida. Todos os momentos passam, as pessoas vão e vêm e cada segundo não aproveitado é um segundo não vivido, que não volta nunca mais.
Para que em todos os momentos da minha vida eu possa usufruir daquilo que me é apresentado, tenho que me entregar àquilo que estou a viver. Não pode haver uma parte de mim que se contenha, porque isso significa que não estou a dar o meu todo e se não dou tudo, não posso esperar receber tudo.
Entregar-me à vida pressupõe que eu confie na perfeição do seu fluxo e que ao longo de todo o dia eu mantenha presente que tudo aquilo que acontece é aquilo que eu realmente preciso.
Não posso dar um passo com medo do que vai acontecer; não posso “encarar” cada situação com insegurança; não posso duvidar de mim e da minha capacidade de orientar a minha vida da melhor maneira.
Ao entregar-me à vida, deixo de ter a ilusão de controlo e passo a usufruir daquilo que acontece, sem apego ao resultado e sem julgar o que está a acontecer.
No período em que me senti pior comigo mesma foi na altura em que julgava e resistia a tudo: o que acontecia, aquilo que eu fazia em relação àquilo que acontecia, aquilo que devia ter feito…
Perdia tanto tempo nisto que deixei de ter tempo para algo que era realmente importante: viver. No meio de tanta dúvida, tanto medo e tantos pensamentos, esqueci-me que eu sou responsável pela minha realidade.
Sou eu quem decide se algo contribui para o meu crescimento ou se é motivo para entrar em negação. Sou eu quem dá poder à minha mente para se sobrepor a tudo o resto.
Nas últimas semanas tenho estado bastante atenta àquilo que vou pensando e sentindo ao longo do dia e cheguei à conclusão que 100% dos problemas e mal-estar são causados por cenários na minha cabeça.
Quando decido desligar este “mecanismo” (ou pelo menos diminuir-lhe o volume) e permito que aconteça o que é preciso, entregando-me sem dúvida à vida, maravilho-me com os resultados com que sou presenteada.
O ato de entrega é essencial para aquele bem-estar que eu sempre procurei e sempre que deixo que ele faça parte do meu dia-a-dia, tomo consciência do quão maravilhoso é deixar que tudo flua e se encaixe.
Por muito que eu pense que tenho uma ideia do que é bom para mim, a verdade é que a minha consciência ainda se encontra limitada e que não é possível, neste momento, ter uma visão ampla das coisas que me trarão benefício.
Se analisar a forma como ajo, o que penso diariamente e aquilo que vou sentindo, consigo identificar diversos momentos em que não me encontro em sintonia com o processo e fluxo da vida.
Procuro adiar passos fundamentais para o meu crescimento; alimento medos e inseguranças e ainda dou espaço à dúvida; e uma parte de mim ainda procura realização em coisas exterior.
Ao enumerar tudo isto não me sinto mal com estes comportamentos, porque sei que a mudança ocorre através de um processo e é preciso treinar no dia-a-dia a criação de novos comportamentos, mas não posso negar que tudo isto afeta as minhas escolhas e o meu discernimento.
Então como é que eu posso guiar a minha vida se não estou na condição de escolher o que é melhor para mim?
A resposta para esta pergunta é confiar. Confiar que aquilo que vem até mim é aquilo que eu realmente preciso.
Algo que preciso para melhorar algum aspeto em mim, para aprender alguma lição ou até mesmo para aprimorar o meu estado de forma a poder usufruir ao máximo daquilo que são os meus objetivos.
Não é importante buscar o motivo pelo qual as coisas acontecem na minha vida, nem procurar qual é o benefício que posso tirar da situação. Isso é voltar ao ponto de partida.
Tem que haver uma entrega e uma certeza de que o que acontece é o melhor para mim e ainda que eu não saiba muito bem o que algo me está a trazer, agir em sintonia com a realidade que quero experienciar.
Se me quero sentir mais segura, devo agir com segurança. Se quero criar um mundo de amor, tenho que ter o amor em conta quando ajo. Se quero ser uma pessoa melhor, tenho que procurar permitir a melhoria em cada momento, em cada situação.
Sempre que tenho medo, fecho-me ao mundo e às possibilidades que a vida me traz. Perco a confiança e deixo-me levar por pensamentos que apenas criam aquilo que eu não quero experienciar.
Para que eu me possa entregar à vida e às coisas que vou fazendo no meu dia-a-dia, tenho que perder o medo.
Nos momentos em que as coisas foram acontecendo na minha vida, sempre tive à minha disposição uma solução, uma ferramenta; no fundo algo que me ajudasse a resolver e a lidar com as situações.
Ter algum medo ou agir com base no medo, antecipando algum resultado ou algo com o qual vou ter que lidar não é muito inteligente, porque para além de não usufruir dos momentos que antecedem qualquer experiência, estarei focada no que não quero e “preparada” para tudo, menos para viver.
A vida não é um campo de batalha e eu não preciso de estar sempre à defesa, esperando sempre algo mau acontecer.
A vida é tão bela quanto eu quero que ela seja e ao entregar-me ao seu processo e fluxo, tenho a certeza que estarei preparada para lidar com tudo, sem que nada de mal me aconteça.
Os “problemas” aparecem quando eu estou com um pé lá e outro cá. Quando eu ponho ação naquilo que quero, mas ao mesmo tempo quero manipular. Quando eu digo que confio, mas na verdade estou a tentar preparar-me para o que pode acontecer.
O medo impede a entrega, mas a confiança permite que ela aconteça e que possa finalmente sentir a vida, com tudo aquilo que ela me trará.
Cada vez mais me apercebo do quanto eu me fechei às pessoas e ao mundo. Vejo o quanto eu me fecho dentro de barreiras, que eu própria criei para não sofrer, mas que apenas me fizeram sofrer mais.
Sempre olhei para as pessoas que agiam de forma espontânea com muita admiração. Questionava a facilidade com que algumas pessoas que eu conhecia lidavam com imprevistos.
Parecia um mundo à parte, mundo do qual eu muito dificilmente eu seria um membro.
Comecei a ver que era eu quem me separava dessas pessoas, porque eu preferia ter razão e viver segundo o meu controlo do que me entregar à vida e ser realmente feliz.
Nos momentos em que se “faz luz” ( e esses momentos são cada vez mais) consigo sentir-me a fazer parte deste maravilhoso universo e sou mais uma dessas pessoas que dança com a vida, em vez de lutar contra ela.
Ainda resisto e ainda me tento proteger dentro da minha muralha, mas lá fico eu sozinha, ansiosa e a deixar passar a vida ao lado.
A única coisa que eu devo “temer” sou eu mesma: a minha tendência para querer as coisas à minha maneira, a minha vontade de querer ter razão ainda que isso me leve à destruição; é isso que eu devo temer.
Quanto à vida a única coisa que devo fazer é abraçá-la e agradecer-lhe…
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